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Entenda: Interpretar não é um dom!

Compartilhe essa notícia! | Data : domingo, janeiro 24, 2016 | Series :

Prezado leitor,
Incomodada com o clichê que rotula nossa profissão de, pura arte ou um dom conferido pelo divino, escrevo para refletirmos sobre essa mística em torno de habilidades adquiridas verdadeiramente por meio de estudo árduo e prática. O dicionário Aurélio define Dom como: donativo; dádiva; benefício; prenda; talento e dote natural.Desse modo, a ideia de dom concerne a algo transferido por meio genético ou socialmente, amalgamado-se a personalidade de um indivíduo. É possível que esta máxima tenha ganhado força com a leitura dos relatos bíblicos, onde pessoas começaram a falar em Línguas estrangeiras para fazer o maior número de prosélitos sem aprendizagem do pretenso idioma e sim por intervenção espiritual. Ou podemos pensar que ela está atrelada a ideia de que esses profissionais têm sua origem de atuação no seio familiar ou em uma visão mais assistencial nos nichos religiosos onde os surdos são atendidos por meio da interpretação. O senso comum muitas vezes atribui a habilidade de verter línguas a um dom conferido por Deus como modo sine qua non para este processo. É bem verdade que a experiência mostra que pessoas naturalmente desinibidas estarão mais propensas a adquirir habilidades onde é necessário uma exposição maior da imagem. Porém, ninguém nasce intérprete, nem se quer é utente de uma língua, sem que haja aquisição desta. Muito menos são inatas as funções de troca, equivalência e outros mecanismos exercidos no ato de trasladar línguas. O que se observa é que a língua de sinais e esta ainda é associada a deficiência que por sua vez carrega em seu bojo um conceito reducionista, medíocre de que é preciso apenas boa motivação e solidariedade para assumir a função de intérprete mesmo não nutrindo os recursos básicos exigidos de um TILS. Não quero aqui, caro leitor, invalidar o trabalho de zelosos intérpretes do nicho religioso e o valioso trabalho social destes. Antes disso, o texto intenta refletir sobre o discurso de ser “agraciado” com o saber de verter uma língua de forma satisfatória baseado apenas no adágio do “recebi um dom”. Esse ato envolve escolhas racionais baseadas em estudo prévio bem como na tentativa, erro e correção. É preciso cuidado em nossas declarações pois ao reduzirmos nosso labor a algo que se recebe ou não, limitamos uma série de possibilidades de crescimento, ou até mesmo fomentamos a ideia de que não é preciso nos debruçar sobre conhecimentos, é só acordar um dia e sentir que recebeu a dádiva de ser intérprete.


Nadia Ribeiro
Professora do curso de Tradução e Interpretação da Libras (CENTEC)
Tutora da Universidade Federal do Ceará (UFCV)
Prolibras- 2006 (MEC)
Bacharel em Letras Libras- 2012 (UFC) 
Membro do Conselho de Avaliação e Classificação Linguística- CACL (APILCE)

Fonte: APILCE

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